sábado, 12 de outubro de 2019

A SEXUALIDADE E A IMAGEM DA MULHER COM CÂNCER DE MAMA


Segundo o Ministério da Saúde, o câncer de mama é um dos desafios no cenário atual Brasileiro porque — exceto os tumores de pele não melanomas — é o que mais acomete as mulheres no país. Os dados estatísticos demonstram que as estimativas de incidência de câncer de mama para o ano de 2019 são de 59.700 novos casos, o que representa cerca de 29,5% dos cânceres em mulheres (INCA, 2019).

Em contrapartida ao panorama supracitado, atualmente, a velocidade do diagnóstico, o tratamento local e o tratamento sistêmico para o câncer de mama estão sendo aprimorados de forma mais dinâmica, em razão de um melhor conhecimento da história natural da doença e das bases moleculares da patologia. Essa é uma excelente notícia, haja vista que esses aprimoramentos envolvem, também, planejamentos estratégicos de prevenção como, os cuidados específicos com a saúde e do controle do câncer de mama por meio da detecção precoce, a qual tem sido e é fundamental, pois quanto mais cedo um tumor invasivo é detectado melhor o seu tratamento e maior a probabilidade de cura.

Por outro lado, importa llembrar que a experiência com o câncer de mama é um fenômeno multidimensional que envolve fatores físicos, psicológicos, sociais e culturais. Portanto, os profissionais de saúde devem direcionar atenção, igualmente, aos impactos psicológicos que o diagnóstico e o tratamento tem para a qualidade de vida de uma mulher que irá submeter-se a procedimentos cujo resultados, os efeitos colaterais e a alta toxicidade encerra complicações que impactam diretamente a sua subjetividade, alcançando áreas importantes da sua vida como a que iremos tratar nesse artigo: autoimagem e sexualidade.

Os impactos psicológicos relacionados ao tratamento são inevitáveis, contudo, ainda, bastante negligenciados pelo cuidado em saúde, sobretudo aqueles relacionados à sexualidade. E esses impactos, entre outras causas, são resultados dos danos físicos de tratamentos como cirurgias radicais (mastectomia com ou sem reconstrução imediata) ou conservadoras (quadrantectomia), assim como os efeitos colaterais de quimioterapias, radioterapias, hormônios, medicamentos e etc.

Por isso mesmo, destaca-se a importância de se direcionar atenção aos aspectos psicológicos, porquanto seus efeitos podem ser duradouros e se estenderem por muitos anos. Pois apesar dos estudos relatarem altos níveis de qualidade de vida no início do período pós-tratamento do câncer de mama, tantos outros estudos corroboram demonstrando que as consequências físicas e psicológicas podem persistir, relativamente, por um tempo, mesmo após um tratamento bem sucedido, dentre as quais aparecem com destaque as dificuldades sexuais com parceiros ou não, por questões relacionadas a autoimagem/autoestima.

A sexualidade da mulher fica comprometida em função do tratamento e, também, por ser esse um conceito que abrange aspectos biopsicossociais e culturais cuja construção simbólica em torno do corpo feminino influencia a percepção da autoimagem dela. Para essa análise, é inevitável considerar que a preocupação contemporânea com a aparência afeta fortemente as mulheres. E ao se tratar das mamas, as quais simbolicamente tem uma construção cultural fortíssima de feminilidade, sexualidade e beleza, entramos num paradigma de crenças e padrões comportamentais que sem dúvidas interferem diretamente na sua sexualidade.

Os efeitos da doença e do tratamento vão desde alterações nas sensações físicas — mudanças na lubrificação vaginal, na redução da excitação sexual, dispaurenia (dor na relação sexual) e anorgasmia (inibição recorrente ou persistente do orgasmo) — até alterações da autoimagem por consequências de uma mastectomia (excisão ou remoção total das mamas), por exemplo.

Por isso, os estudos têm demonstrado o relato de mulheres sobre esses desconfortos incidindo em diminuição na frequência das relações sexuais com seus parceiros, inapetência sexual, dor durante as relações e dificuldades para obter orgasmos, assim como vergonha do próprio corpo frente às possibilidades de exposição tanto com o parceiro quanto em meio social, por falta de aceitação a nova condição física.

Em termos de autoimagem, a cirurgia pode ser percebida como a mutilação daquilo que é culturalmente visto como simbólico de beleza. Como se de fato a beleza e seu atrativo sexual estivesse meramente ligados àquele órgão. Esse é um dos aspectos importantes que impactam a autoestima dessas mulheres. Os estudos vêm demonstrando que em decorrência da alteração na percepção do próprio corpo as mulheres mastectomizadas sentem uma grande insatisfação e não-aceitação da perda da mama, o que gera nelas sentimentos de autodepreciação e de inferioridade sucumbindo em sentimento de exclusão sexual e incapacidade de perceberem-se belas e desejáveis.

A sexualidade é um tema tabu em nossa sociedade e não seria diferente no cuidado médico a essas pacientes, cuja comunicação desses assuntos é ainda insipiente, razão pelo qual o acompanhamento de um psicólogo é indispensável na oferta de uma escuta qualificada em acolher as dimensões subjetivas, gerar intervenções, abordar as vivência da sexualidade após a mastectomia e a qualidade do relacionamento afetivo-sexual da mulher durante e após o tratamento do câncer de mama, para a ressignificação da vida, da autoestima e da auto aceitação.

É possível resgatar e fortalecer características positivas como forças de caráter e virtudes individuais e gerar equilíbrio consigo, com seu corpo, mesmo atravessando momentos tão difíceis. Sem dúvidas, são demandas urgentes para que se possa obter uma otimização dos recursos empregados no processo de reabilitação da vida afetivo-sexual dessas mulheres.

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Referências

Barsotti. D. S. et al. Interrupção e Retomada da Vida Sexual após o Câncer de Mama. Brasília. Psic. Teor. e Pesq. vol.32, no.4, 2016/2017.

Cesnik M. V.; Santos A. M. Desconfortos físicos decorrentes dos tratamentos do câncer de mama influenciam a sexualidade da mulher mastectomizada? São Paulo. Rev. esc. Enferm USP,  vol.46, no.4,  Agosto 2012.

Cesnik M. V.; Santos A. M. Mastectomia e sexualidade: uma revisão integrativa. Porto Alegre. Psicol. Reflex. Crit, vol.25, no.2, 2012.

Duarte, T. P., & Andrade, A. N. (2003). Enfrentando a mastectomia: Análise dos relatos de mulheres mastectomizadas sobre questões ligadas à sexualidade. Estudos de Psicologia (Natal),8(1), 155-163.

Ferreira, S. M. et al. A sexualidade da mulher com câncer de mama: análise da produção científica de enfermagem. Florianópolis. Texto contexto enferm. vol.22, no.3, Julho/Setembro 2013.

INCA. (2019). A situação do câncer de mama no Brasil: Síntese de dados dos sistemas de informação. Ministério da Saúde. Rio de Janeiro.

Junqueira, L. C. et al. Análise da comunicação acerca da sexualidade, estabelecida pelas enfermeiras, com pacientes no contexto assistencial do câncer de mama. Botucatu. Interface (Botucatu). vol.17, no.44, Jan/Mar 2013.

SANTOS, Lucas Nápoli dos et al . Sexualidade e câncer de mama: relatos de oito mulheres afetadas. Psicol. hosp. (São Paulo),  São Paulo ,  v. 6, n. 2, p. 02-19, jun.  2008 .

Huguet, R. P. et al. Qualidade de vida e sexualidade de mulheres tratadas de câncer de mama. Rio de Janeiro. Rev. Bras. Ginecol. Obstet, vol.31, no.2, Fevereiro 2009.

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